sexta-feira, 17 de julho de 2015

HUMANIZANDO O NASCIMENTO - Continuação 4


PRINCÍPIO FUNDAMENTAL

Para construirmos um mundo menos violento, mais amoroso, mais digno, respeitável e justo temos que começar com o nascimento.

 
Acreditamos na capacidade de parir que cada mulher carrega. Acreditamos na perfeição da natureza e nos milhares de anos de preparo para os mecanismos intrincados do nascimento.            

Sabemos da importância da tecnologia para salvar a vida de pessoas que estão em risco. Por outro lado, entendemos que a intervenção num processo natural só pode se justificar diante de critérios muito claros. Intervir no nascimento para encurtar tempo ou por interesses econômicos quaisquer são erros graves que devem ser evitados. Atitudes como essas, que retiram da mulher o protagonismo do parto, não podem ser toleradas em uma sociedade que se deseja justa e fraterna.

 
O desempoderamento da mulher no nascimento de seus filhos tem repercussões na sociedade como um todo, pois será ela a principal guardiã dos seus valores, e quem vai lhes ensinar as primeiras ideias. O parto é um momento pleno de afeto e sexualidade e a intervenção desmedida pode ter efeitos devastadores - físicos e psicológicos - para a mãe e seu bebê. Além disso, "se quisermos verdadeiramente mudar a humanidade temos que mudar a forma como nascemos", como já nos dizia Michel Odent.

 
Para construirmos um mundo menos violento, mais amoroso, mais digno, respeitável e justo temos que começar com o nascimento, para que todos possam chegar a esse mundo envolto numa aura de carinho e amor.

 
DOULAS
Elas dão suporte em várias dimensões às mulheres grávidas nos momentos do parto.
 Doulas são profissionais que acompanham as grávidas durante o processo de nascimento.
 Elas se aperfeiçoam em oferecer suporte afetivo, emocional e físico para as grávidas durante o parto. Elas não realizam qualquer atividade de ordem médica ou de enfermagem. Seu foco de atenção é somente a mulher e seu conforto. Não verificam pressão arterial, não auscultam batimentos cardíacos fetais, não fazem exames para ver o progresso de dilatação e não oferecem medicações de qualquer ordem.
 Ao lado de tantos achados positivos relacionados ao parto, também encontramos uma incidência aumentada de mulheres que continuam amamentando além de seis semanas após o nascimento de seu bebê. Doulas não produzem trabalho redundante, não competem com médicos ou enfermeiras pelo trabalho com as grávidas e, inclusive, deixam os profissionais mais à vontade para suas tarefas específicas. "Na ausência de qualquer risco associado, e com as evidências claras das melhorias associadas com sua atuação, para toda a mulher deveria ser oferecida a oportunidade de ter uma doula a lhe acompanhar durante o parto."
 Elas são referendadas pela OMS, através do livro "Assistência ao Parto Normal - Um Guia Prático", assim como pelo Ministério da Saúde do Brasil desde a publicação do livro "Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à Mulher", e sua atuação é baseada em evidências atualizadas e consistentes, como pode ser visto no livro "Guia para Atenção Efetiva na Gravidez e no Parto - Enkin e Cols" da biblioteca Cochrane, e nos inúmeros trabalhos realizados (Klauss & Kennell - Mothering the Mother).
 
Ricardo Herbert Jones é ginecologista, obstetra e homeopata.
 
 
 

HUMANIZANDO O NASCIMENTO - Continuação 3


UM PROCESSO LENTO E GRADUAL

A educação e conscientização para o parto humanizado têm importância vital no processo.

 
A tarefa de humanizar o nascimento só pode se dar através de um processo demorado e lento, porque tem a ver com a própria estrutura que sustenta a sociedade ocidental. Nossa ação, portanto, deve ser em várias frentes, sendo a educação para o parto humanizado uma das tarefas mais substanciais.

 Outra ação importante é com os cuidadores de saúde. Estes devem receber orientação sobre as vantagens que a medicina baseada em evidências oferece para a humanização do nascimento. Médicos, parteiras, psicólogas, educadoras perinatais, enfermeiras e doulas devem receber treinamento numa abordagem mais integrativa, suave, social e afetiva do nascimento. A presença de companheiros e/ou familiares na hora do nascimento deve ser estimulada por estes profissionais. Esta atitude simples e de baixo custo, além de não aumentar riscos, diminui a angústia e oferece uma vivência mais harmoniosa do parto para o casal e/ou família. As escolas médicas e de enfermagem deverão incluir de forma obrigatória tópicos que abordem os direitos das pacientes, a humanização do nascimento e medicina baseada em evidências. É imperioso que a formação das escolas da área da saúde seja direcionada para o “novo paradigma”, onde a mulher será o centro de onde irão irradiar as decisões sobre sua vida sexual e reprodutiva.

UM PROFISSIONAL PARA A VIDA

O que é um "profissional humanizado" e como reconhecê-lo?

 Profissional humanizado é todo aquele que entende as dimensões subjetivas do seu paciente como extremamente relevantes. É o profissional que encara toda a paciente como singular, irreprodutível e única e encara o nascimento como momento único e evento ápice da feminilidade.                                   

Trata seus pacientes com gentileza e respeito, oferecendo às mulheres a condução do processo. Posiciona-se como uma instância de orientação técnica, e não como "proprietário" do evento. Usa os protocolos mais atualizados, como a Medicina Baseada em Evidências, para o tratamento de suas pacientes, mas sempre leva em consideração a dimensão pessoal de cada uma, forjada na sua história pessoal, suas lembranças, seus medos, suas expectativas, seus sonhos, suas características físicas e seu desejo de que o nascimento de seus filhos seja vivido como um ritual de amadurecimento. É um profissional que alia as habilidades técnicas com uma postura compassiva em relação às mulheres grávidas, entendendo-as como possuidoras de um grande tesouro, que deve ser cuidado com carinho e respeito. Desta forma, tem como meta um parto em que o menor número possível de intervenções ocorra ao mesmo tempo em que se preocupa com o máximo de segurança e bem-estar para todos.

 
Ricardo Herbert Jones é ginecologista, obstetra e homeopata.

Fonte: http://sorocaba.nossobemestar.com/posts/384-parto-humanizado-ricardo-jones
 


HUMANIZANDO O NASCIMENTO - Continuação 2


"Humanizar o nascimento é restituir o lugar de protagonista à mulher"
 
Para muitos as últimas medidas governamentais em relação ao controle mais rígido da utilização de cesarianas foram ações bruscas, repentinas, e excessivamente severas. Afinal, a cesariana como método de nascimento está arraigada no imaginário de muitas mulheres - em especial no Brasil - como um método seguro, limpo, moderno e indolor, mesmo que a realidade seja bem diferente desta imagem. Ainda que muitos profissionais concordem que existe “algum exagero” na realização desse procedimento, a reação da categoria médica foi de desaprovação. Para os ativistas da Humanização do Nascimento, todavia, tais medidas são a culminância de mais de 20 anos de lutas para que as mulheres tivessem plenos direitos de escolha, uma assistência centrada na fisiologia e uma postura embasada em ciência por parte dos cuidadores. Para os humanistas do nascimento, as medidas não foram bruscas e muito menos severas: foram à culminância de propostas de mais de duas décadas.
 
Mas porque a crise na atenção ao parto?
 
Somos herdeiros de uma cultura que acredita estar à saúde "fora do corpo", e magicamente acondicionada em drágeas, pílulas, comprimidos e injeções. Esta modificação na forma como compreendemos a busca pelo equilíbrio (de um modelo interno, para um modelo externo) produz repercussões em toda a sociedade contemporânea, onde a "saúde" e o "bem-estar" são vendidos como produtos, alienando o indivíduo da responsabilidade de encontrá-los por si mesmo.
 
Essa ideologia “exógena”, quando aplicada ao nascimento humano, gera a série de problemas que vemos hoje em dia relacionados com a extrema artificialização da vida. O aumento das cesarianas é um bom exemplo deste exagero. Esta que deveria ser uma cirurgia salvadora acabou sendo banalizada ao extremo, e um percentual muito grande de mulheres acaba optando pela sua realização sem uma noção exata dos riscos a ela associados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que não mais de 10 a 15% dos partos podem terminar em uma cesariana. Incrivelmente, num mundo em que os indicadores de saúde melhoram em função do incremento nas condições sociais, a mortalidade materna aumentou nos últimos anos nos Estados Unidos, principalmente às custas do aumento de cesarianas naquele país.
 
A sociedade está se dando conta de que o modelo tecnocrático existente não está mais oferecendo a qualidade de saúde que as mulheres exigem, e se une através das múltiplas formas de representatividade, para discutir o destino do nascimento no nosso país. É desse caldo social e cultural que surgem as organizações de mulheres, de profissionais, governamentais e a própria mídia para impulsionar as mudanças que a sociedade exige no que tange à segurança para mães e bebês.
 
CAMINHOS PARA A HUMANIZAÇÃO
A mobilização em torno de um parto mais humano e seguro é um evento político, porque tem a ver com a expressão social de valores!
 Existem várias formas de trabalhar com essa necessária reformulação. Primeiro, é importante entender a necessidade desta reavaliação. A intromissão da tecnologia em todos os setores da nossa vida cotidiana nos cria a sensação incômoda de que estamos perdendo nossa essência.
 
A humanização do nascimento opera na contramão da aventura tecnológica, questionando a invasão de nossas mentes e corpos por elementos estranhos. Além do mais, essa mobilização em torno de um parto mais humano e seguro é um evento político, porque tem a ver com a expressão social dos valores mais profundos que nos sustentam. Somos seres sociais e a nossa ação política significa organizar e mobilizar pessoas em torno de ideais comuns.
 
Ricardo Herbert Jones é ginecologista, obstetra e homeopata.