"Humanizar o
nascimento é restituir o lugar de protagonista à mulher"
Para muitos as últimas medidas
governamentais em relação ao controle mais rígido da utilização de cesarianas foram
ações bruscas, repentinas, e excessivamente severas. Afinal, a cesariana como
método de nascimento está arraigada no imaginário de muitas mulheres - em
especial no Brasil - como um método seguro, limpo, moderno e indolor, mesmo que
a realidade seja bem diferente desta imagem. Ainda que muitos profissionais
concordem que existe “algum exagero” na realização desse procedimento, a reação
da categoria médica foi de desaprovação. Para os ativistas da Humanização do
Nascimento, todavia, tais medidas são a culminância de mais de 20 anos de lutas
para que as mulheres tivessem plenos direitos de escolha, uma assistência
centrada na fisiologia e uma postura embasada em ciência por parte dos
cuidadores. Para os humanistas do nascimento, as medidas não foram bruscas e
muito menos severas: foram à culminância de propostas de mais de duas décadas.
Mas
porque a crise na atenção ao parto?
Somos herdeiros de uma cultura que
acredita estar à saúde "fora do corpo", e magicamente acondicionada
em drágeas, pílulas, comprimidos e injeções. Esta modificação na forma como
compreendemos a busca pelo equilíbrio (de um modelo interno, para um modelo
externo) produz repercussões em toda a sociedade contemporânea, onde a
"saúde" e o "bem-estar" são vendidos como produtos,
alienando o indivíduo da responsabilidade de encontrá-los por si mesmo.
Essa ideologia “exógena”, quando
aplicada ao nascimento humano, gera a série de problemas que vemos hoje em dia
relacionados com a extrema artificialização da vida. O aumento das cesarianas é
um bom exemplo deste exagero. Esta que deveria ser uma cirurgia salvadora
acabou sendo banalizada ao extremo, e um percentual muito grande de mulheres
acaba optando pela sua realização sem uma noção exata dos riscos a ela
associados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) determina que não mais de 10 a
15% dos partos podem terminar em uma cesariana. Incrivelmente, num mundo em que
os indicadores de saúde melhoram em função do incremento nas condições sociais,
a mortalidade materna aumentou nos últimos anos nos Estados Unidos,
principalmente às custas do aumento de cesarianas naquele país.
A sociedade está se dando conta de que o
modelo tecnocrático existente não está mais oferecendo a qualidade de saúde que
as mulheres exigem, e se une através das múltiplas formas de
representatividade, para discutir o destino do nascimento no nosso país. É
desse caldo social e cultural que surgem as organizações de mulheres, de
profissionais, governamentais e a própria mídia para impulsionar as mudanças
que a sociedade exige no que tange à segurança para mães e bebês.
CAMINHOS
PARA A HUMANIZAÇÃO
A
mobilização em torno de um parto mais humano e seguro é um evento político,
porque tem a ver com a expressão social de valores!
Existem várias formas de trabalhar com
essa necessária reformulação. Primeiro, é importante entender a necessidade
desta reavaliação. A intromissão da tecnologia em todos os setores da nossa
vida cotidiana nos cria a sensação incômoda de que estamos perdendo nossa
essência.
A humanização do nascimento opera na
contramão da aventura tecnológica, questionando a invasão de nossas mentes e
corpos por elementos estranhos. Além do mais, essa mobilização em torno de um
parto mais humano e seguro é um evento político, porque tem a ver com a
expressão social dos valores mais profundos que nos sustentam. Somos seres
sociais e a nossa ação política significa organizar e mobilizar pessoas em
torno de ideais comuns.
Ricardo Herbert Jones é ginecologista, obstetra e homeopata.